quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Feito Chuva


São vontades. Mas não aquelas com intencionalidades definidas, ou mesmo umas que podemos dizer: “Eu quis assim, as minhas ações caminharam pra isso”. Não. É como abrir a janela em um dia bastante chuvoso e por algum motivo perceber um foco de luz no céu, que nem sequer convidou o sol para aquela incrível festa de águas. E a ação não foi feita de madeira, como a janela, mas sim do ilimitado e desconhecido produto da luz, que só se faz presente nos outros sentidos, quase se passando por involuntária. E na agonia perturbada dessa vontade passa-se o dia e a luz e o foco, e vai aos poucos se igualando a chuva, tornando-se uma imensa quantidade de partículas. Parte-se o sonho dentro de outro sonho e a suspensão de cada gota vai mostrando-se impossível, eis que tudo enche, e cai. Desabam os controles, as razões, os estados sólidos. Só resta o líquido, e ele vai agindo por nós, sentindo e alcançando por nós aquilo que talvez acabamos transformando em um objetivo distante por não ter esperanças muito acentuadas. Embriagamos-nos de todo desejo que hipocritamente julgamos nosso e vamos deixando escorrer por todo o corpo aquela vivência arriscada, aquele contato estranho de ar quente e frio que provoca uma brusca queda de temperatura na alma, fazendo-a trepidar delicadamente no estômago, experiência indecisa, porém bastante original. Surge então a dúvida envergonhada sobre a origem de um coração completamente bêbado. Seria a tímida chuva que teima em querer sair de todas as nossas veias e artérias? Ou simplesmente o curso de água natural, que lá de longe, se faz ouvir e sentir as chuvas dentro de nós e dessa forma pede para que no mais rápido de nosso ciclo ébrio desagüemos no mesmo sentido incerto e frágil?

Subentende-se a resposta. O que nos resta é lembrar-se desse curso de água que chama sem saber e que nos faz agir não por querermos, mas por carregarmos dentro de nós qualquer coisa parecida com ar de vontade. Por que no final do dia, quando o que resta é apenas o cheiro deixado pelo banho que a terra tomou, somos tomados pela mesma sensação, o mesmo chamado, quase uma súplica. Pois nós também somos feitos de chuva.

1 comentários:

Italo Stauffenberg disse...

Voltou a escrever? Saudades dos teus contos conterrânea!

Forte abraço!

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