segunda-feira, 22 de novembro de 2010 4 comentários

Ao meu redor, silêncio

A regra é clara e segundo ela eu já deveria estar dormindo, indo, sonhando ou simplesmente descansando a parte física do corpo. O problema é que a maior parte de mim é delicadamente escura, sombreada, indecisa e insiste em quebrar toda a nuance branca da regra, da autoridade dos sonhos, e então me faço acordada, me ouço com os olhos abertos e sinto-me pensando - de um jeito meio confuso, mistificado, talvez até desajeitado – em todas as anáforas dos últimos dias, onde o difícil se mostrou fácil em uma fração de segundos, tão pequena, que mal deu pra perceber sua facilidade, mas ela fez uma grande diferença, ou pelo menos aparentou fazer. Aparências. Elas realmente são tão efêmeras quanto uma notícia sensacionalista no jornal, passam e sensibilizam na mesma agilidade com que desaparecem das nossas mentes. E quer saber o que fica? Detalhes. O rastro de palavras que sem querer escaparam de algum dicionário íntimo e não se deixaram desperceber, o abraço, sensível, que desculpou quase obrigatoriamente aquela despedida inconveniente, o sentimento, complicado, que se formou em alguma lua e sem querer saiu de órbita, querendo algo bem maior que um planeta, querendo um universo, uma alma em transformação.


O sentido da vida é exatamente a beleza de suas particularidades. O sentido da minha vida, eu ainda não sei, o fato é que eu simplesmente gosto da angústia doce de sentir todas as minúcias, silenciosas, frágeis, incríveis. Essa música disfarçada com um cheiro de dia novo, de hortelã, de simplicidade que me faz, me constrói e me rouba de mim.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010 1 comentários

Feito Chuva


São vontades. Mas não aquelas com intencionalidades definidas, ou mesmo umas que podemos dizer: “Eu quis assim, as minhas ações caminharam pra isso”. Não. É como abrir a janela em um dia bastante chuvoso e por algum motivo perceber um foco de luz no céu, que nem sequer convidou o sol para aquela incrível festa de águas. E a ação não foi feita de madeira, como a janela, mas sim do ilimitado e desconhecido produto da luz, que só se faz presente nos outros sentidos, quase se passando por involuntária. E na agonia perturbada dessa vontade passa-se o dia e a luz e o foco, e vai aos poucos se igualando a chuva, tornando-se uma imensa quantidade de partículas. Parte-se o sonho dentro de outro sonho e a suspensão de cada gota vai mostrando-se impossível, eis que tudo enche, e cai. Desabam os controles, as razões, os estados sólidos. Só resta o líquido, e ele vai agindo por nós, sentindo e alcançando por nós aquilo que talvez acabamos transformando em um objetivo distante por não ter esperanças muito acentuadas. Embriagamos-nos de todo desejo que hipocritamente julgamos nosso e vamos deixando escorrer por todo o corpo aquela vivência arriscada, aquele contato estranho de ar quente e frio que provoca uma brusca queda de temperatura na alma, fazendo-a trepidar delicadamente no estômago, experiência indecisa, porém bastante original. Surge então a dúvida envergonhada sobre a origem de um coração completamente bêbado. Seria a tímida chuva que teima em querer sair de todas as nossas veias e artérias? Ou simplesmente o curso de água natural, que lá de longe, se faz ouvir e sentir as chuvas dentro de nós e dessa forma pede para que no mais rápido de nosso ciclo ébrio desagüemos no mesmo sentido incerto e frágil?

Subentende-se a resposta. O que nos resta é lembrar-se desse curso de água que chama sem saber e que nos faz agir não por querermos, mas por carregarmos dentro de nós qualquer coisa parecida com ar de vontade. Por que no final do dia, quando o que resta é apenas o cheiro deixado pelo banho que a terra tomou, somos tomados pela mesma sensação, o mesmo chamado, quase uma súplica. Pois nós também somos feitos de chuva.

 
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