Talvez você quisesse um pouco de sorvete hoje. Um pouco de atenção preparada com açúcar e congelada sob forma de neve que fizesse você sentir uma segurança, um alívio de quem possui algo pra apoiar-se. O fato é que em algum momento da vida todo mundo busca ser considerável. Externamente considerável, intrinsecamente considerável. E no meio de tantas considerações é preciso certo cuidado pra não se desconsiderar, colocando-se em segundo plano e planejando o inexistente, o ilusório. Isso não quer dizer que se deve deixar os sonhos guardados em uma ilha sem valimento para que eles em algum momento evaporem junto as águas marítimas, até porque o valor que possuímos enquanto adormecemos está guardado dentro de nossos mais profundos devaneios. Mas é preciso distinguir aquilo que delicadamente se forma no espírito e mostra imagens desconexas, confusas, que num projeto real nunca será possível de acontecer daquilo que se mostra diante de nós todos os dias, daquilo que mesmo desajeitado e ás vezes triste é o fato mais sincero, mais puro e que por mais que cause certo desconforto é, neste exato momento, o que nos prova – amargamente ou não – que estamos vivos.
Na maioria das vezes o começo é o mais fácil de explicar. As coisas vão tornando-se complexas à medida que as descobertas são mais nítidas, mais consistentes e exigem de nós certo cuidado, certa discrição. O fato é que isso ocorre na maioria das vezes e não sempre. E hoje, é um dos dias que escapa a regra do convencional, tornando o começo difícil, afastando a linha de partida do racional, daquilo que é mais cômodo e carrega consigo a segurança monótona de tempo durante o qual o sol alumia o horizonte. Uma estratégica mudança de meio. Meio estranha. Meio cheia demais que tomou conta de alguma coisa dentro do meu corpo e fez questão de anunciar que não iria mais embora, que ficaria pra tornar-me sozinha em dois. E não foi preciso mais do que dois dias para eu dar-me conta que esse acontecimento me fez bem, talvez uma satisfação que eu não me permitiria conhecer se não tivesse sido puramente surpreendida em algumas horas da madrugada, ou seria da noite? Na verdade, momentos incomuns como estes são deveras chamativos para serem analisados cronologicamente. Lógica é última ciência que passa pelos sentidos quando sentimos a presença solitária do conjunto, de algo (ou alguém) que não permite limitações de minutos quando o que se quer é ouvir uma voz (mesmo que um pouco cansada) e não faz distinção entre momentos bons e tortuosos porque simplesmente os desconhece quando observa através de outros olhos. Uma visão solitária que agora também é sua e que não precisa da observação do mundo inteiro pra ser real. Livremente real. Inocentemente pura e real.
“ Sempre me senti sozinha, mesmo entre vários, centenas, milhares de seres humanos. É como se uma camada furta-cor me impedisse de mostrar as cores tímidas do meu ser, pra ser sincera esse desvio de luz que tocava meu corpo opaco sempre foi uma forma de proteção que me fazia aparentemente melhor. Eu continuo assim, o que realmente mudou foi que enfim eu consegui enxergar o espelho por onde todos os raios, em algum momento, sempre me tocam. Um espelho tão solitário quanto eu, e mais incrível do que eu poderia imaginar.’’
O sentido da vida é exatamente a beleza de suas particularidades. O sentido da minha vida, eu ainda não sei, o fato é que eu simplesmente gosto da angústia doce de sentir todas as minúcias, silenciosas, frágeis, incríveis. Essa música disfarçada com um cheiro de dia novo, de hortelã, de simplicidade que me faz, me constrói e me rouba de mim.
São vontades. Mas não aquelas com intencionalidades definidas, ou mesmo umas que podemos dizer: “Eu quis assim, as minhas ações caminharam pra isso”. Não. É como abrir a janela em um dia bastante chuvoso e por algum motivo perceber um foco de luz no céu, que nem sequer convidou o sol para aquela incrível festa de águas. E a ação não foi feita de madeira, como a janela, mas sim do ilimitado e desconhecido produto da luz, que só se faz presente nos outros sentidos, quase se passando por involuntária. E na agonia perturbada dessa vontade passa-se o dia e a luz e o foco, e vai aos poucos se igualando a chuva, tornando-se uma imensa quantidade de partículas. Parte-se o sonho dentro de outro sonho e a suspensão de cada gota vai mostrando-se impossível, eis que tudo enche, e cai. Desabam os controles, as razões, os estados sólidos. Só resta o líquido, e ele vai agindo por nós, sentindo e alcançando por nós aquilo que talvez acabamos transformando em um objetivo distante por não ter esperanças muito acentuadas. Embriagamos-nos de todo desejo que hipocritamente julgamos nosso e vamos deixando escorrer por todo o corpo aquela vivência arriscada, aquele contato estranho de ar quente e frio que provoca uma brusca queda de temperatura na alma, fazendo-a trepidar delicadamente no estômago, experiência indecisa, porém bastante original. Surge então a dúvida envergonhada sobre a origem de um coração completamente bêbado. Seria a tímida chuva que teima em querer sair de todas as nossas veias e artérias? Ou simplesmente o curso de água natural, que lá de longe, se faz ouvir e sentir as chuvas dentro de nós e dessa forma pede para que no mais rápido de nosso ciclo ébrio desagüemos no mesmo sentido incerto e frágil?
Subentende-se a resposta. O que nos resta é lembrar-se desse curso de água que chama sem saber e que nos faz agir não por querermos, mas por carregarmos dentro de nós qualquer coisa parecida com ar de vontade. Por que no final do dia, quando o que resta é apenas o cheiro deixado pelo banho que a terra tomou, somos tomados pela mesma sensação, o mesmo chamado, quase uma súplica. Pois nós também somos feitos de chuva.
Preciso de sono, ser uma pessoa cuja sensibilidade e atividade ficaram suspensas. Transcender-me múltipla, em corpos em estado de equilíbrio...E nessa busca tento organizar a bagunça de pensamentos que amarram os membros superiores e inferiores quase alinhados ao resto do meu corpo, mas tudo que eu consigo são palavras vagas que não fazem tanto sentido quando repassadas pro papel (jogado horas atrás no chão) que eu delicadamente desamasso e volto a amassar por não ter jogo de cintura pra encarar tantas linhas que se formaram no desalinho do meu corpo. Uma linha de confusões, uma fusão em excesso, quase descontrolável que não me deixa falar o que sutilmente já está dito, o que saiu sem permissão de mim e não se permitiu voltar... Aquilo que eu desajeitada, frouxa, nem sequer consegui segurar... Nem sequer consegui deixar dentro da sala de estudos. Tudo feito, tudo incompleto e automaticamente taxado como nada. E nada disso importa já que nenhuma porta por mais retangular que seja consegue ser equilibrada, porque no fim das contas sempre falta um centímetro, no fim das contas elas não existiram, nem as portas, nem as contas, nem as coisas, nenhuma delas... E se existiram, talvez passassem despercebidas em algum momento do tempo que eu não poderia responder se 3 + 3 eram sete ou dezenove ou que isso não faz o menor sentido quando a cor dos olhos tem cheiro de mar, quando o azul da alma tem gosto de outras coisas que são indescritíveis, quando o barulho do sono tem vontade de acordar e não dormir nunca mais... Tudo é quase perfeito, e nessa transição de ''quases'' tudo fica. Bem...Feito.
Segundo
Nada além do vazio. É mais ou menos assim que eu definiria o mal terminado, o malfeito, o mal acabado que mal acabou de invadir e já entranhou todos os órgãos abaixo da epiderme deixando espaço suficiente para montanhas dançarem junto ao vento e furacões perderem-se em suas próprias distorções. Um terreno tão grande que aos olhos da ciência faz-se impossível em qualquer ser vivo, ser dentro de mim, ser tão imenso e ao mesmo tempo tão inútil pelo mesmo motivo que faz dele extenso. A parte mais interessante desse vácuo, porém, não é sua dimensão, mas a sua eternidade. Eu que temia o fim, hoje temo o momento eterno, pois esse sim é cruel, é aquele que fica no ar, distante do alcance de qualquer membro seu e até mesmo da sua imaginação e ás vezes quando se aproxima dos seus sonhos faz mais estrago do que fora do seu limite racional. É cruelmente egoísta e não deixa sobras, fragilizando o que até então estava tornando-se forte. Além do vazio, traz o eterno desconhecimento do que poderia ser, do que não poderia acontecer, restando a nós, a mim, apenas a criatividade machucada pra recriar algo pelo avesso, a racionalidade completamente cética e desiludida que pede morte ao que aconteceu para esquecer o que não acontecerá. Sobram então as sobras de respostas mal ditas, malditas horas que não servem para mudar o sentido da passagem do tempo. E nesse passar mórbido espera-se a chegada de um futuro para dizer se o eterno será mantido ou o movimento externo trará respostas que virão tarde demais para serem influentes, mas alimentarão a vontade do fim. Confortavelmente acabado.
Primeiro
Algum tempo atrás tudo me amedrontava. Amedrontavam-me as propostas, os elogios, os desencantos e decepções... Eu levava a vida desconhecendo que ela me levava com uma intensidade que eu não podia acompanhar devido ao pouco conhecimento sobre os acontecimentos. Assim eu também temia o fim. Temia que os momentos bons se esvaíssem, mal sabendo que esse período de temor era justamente a duração da felicidade momentânea que me deixava pra buscar noutro porto outro júbilo, outro sorriso, outro hábitat. Da maneira mais injusta fui aprendendo que a preocupação afasta e quis eu desde então afastar-me conscientemente de qualquer emoção que pudesse vir a ser semelhante a um rio transbordando repentinamente n’alma. Assim fechei as portas, portando então dentro de mim nada além do que julgara seguro e confortável. Confortavelmente feliz, mas não acolchoadamente satisfeita. Talvez alguém que ao som macio ainda procura tal satisfação.
Existem circunstâncias em que nós somos os verdadeiros culpados. Porcos vingativos, vilões escrotos em busca da satisfação pessoal...Contudo existem aquelas em que o contexto faz de nós simples folhas avulsas, quase desprotegidas ao excluir o orgulho e a tristeza mascarados pela raiva, que nos servem como uma pseudoproteção. Eu diria que já estive mil e duzentas vezes dos dois lados -sem contar com as situações que agora não recordo-me com devida clareza- e posso afirmar que a mais dolorosa delas é sentir-se completamente ou parcialmente inocente e fingir-se culpado simplesmente para aproximar-se. Abrir mão do orgulho, do pessimismo para orgulhar-se de si mesmo e 3 segundos depois desejar um suicídio pela decisão tomada anteriormente.Para alguém que sempre teve certeza da volta, da busca depois de uma imensa espera, da palavra sem exageros, fácil...não é aceitável deparar-se com condições tão repentinas, com obstáculos e principalmente com indiferença. Quando a simulação já não tem efeito,as madrugadas são longas e as frases curtas como a pausa respiratória e bruscas como o piscar dos olhos, pensamos então que nada mais pode ser solucionado, que aquela dor da culpa era, foi e sempre será pior do que qualquer outra já experimentada. Vamos então percebendo o quão frágeis nos tornamos independente da força da capa que nos envolve (casca retirada antes mesmo de nos darmos conta do que sobrou) e do quão cinzas tornaram-se aqueles olhos azuis...Enfim percebemos -ou não- que cada dor é única, cada situação por mais dolorosa, insfelizmente traz uma angústia diferente, impossível de ser tecnicamente corrigida. Livrar-se de lembranças boas seria mais fácil se o olhar estivesse sempre focado para o ângulo correto, comparando a incapacidade de libertação da memória, das lembranças amargas ou fortificadoras, eu diria. Capacidade para ocultar da mente a rebeldia e trazer a aceitação de viver sem o que nos acostumamos ou simplesmente manter distância, é mais complicado do que imaginamos e sempre deixa marcas. Não considero tais situações como sofrimentos, considero apenas como uma singela dificuldade para sentir sono, uma pequena vontade para concentrar-se e talvez um incômodo sereno para entender que não existe culpa, existe consideração. Talvez por alguém, por algo, por você mesmo...ou um sentimento intrínseco no eu.
Afinal de contas, alguém teria que sentir.
Pessoas. Sozinha essa palavra demonstra um plural assustador. Junta,mostra um conjunto de “pês’’ e “porquês’’ de vontades. Anseios de uma ligação, de um passado ou presente imaterial...De ser igual por ser diferente, de um abrigo, uma conquista, uma mentira bem contada, um triunfo em meio ao caos. Desejos esses que oferecem além do que podem dar e retiram mais do que o limite do âmago, recolhem as vestes do essencial e se vestem à sua maneira, roubando aquilo que não pertence nem mesmo ao desejo, mas ao medo de não pertencer ao futuro. Futuro esse que nem sequer existe, só é mais um capítulo para tornar a história mais interessante, atraente e ilusória. E ao se deparar com o palco desse imenso teatro, mergulha então o próprio compositor dentro de páginas acolchoadas com as melhores penas e rendas, fazendo dos bordados o complemento e do soprano som da chuva o toque final de uma cena trágica, um pouco diferente daquelas em que o vilão é morto a golpes de espadas que faz sangrar a sua epiderme, porém, deveras semelhante a um momento escondido, nos bastidores, nas pessoas que andavam do lado de fora da comédia - mais uma vez em conjunto – onde massacra o canto, extorque a boca e sangra a alma.
Diferença. Essa é a única palavra que me assemelha ao mundo. De contraditório possuo apenas o pensamento de ontem, que sem dúvidas é completamente desfigurado do meu raciocínio atual. Eu tentaria aqui, dizer-lhes o que ouço ou simplesmente citar qualquer coisa que aparentemente pudesse definir-me...Em vão seria, eu afirmo. E mais ainda: Confesso minha inteira incapacidade de auto-descrição. A verdade é que carrego em mim apenas o que eu não sei, o abstrato, o mutável. Poderia eu definir-me uma assassina, uma santa, um anjo ou um demônio, uma flor, um espinho, uma pétala, uma pedra? Não. Porque não sei exatamente se em meio ao amanhecer da tarde, ou ao entardecer da noite eu mataria ou eu rezaria, eu daria bons conselhos ou induziria ao pecado, eu teria um perfume agradável ou perfuraria uma mão inocente...Caíria ao chão e demonstraria todo meu lado sensível ou simplesmente poderia contrapor toda a minha insensibilidade e esmagar a pétala que existe em mim. Assim sendo, carrego uma parte que destroça todo tempo, que vai desconjuntando, desunindo e emoldurando-se novamente segundo em segundo...e então no pensamento mais inocente e simples eu tento imaginar-me como uma câmera fotográfica, que nada emite senão o som que permite a certeza de mais uma imagem capturada, que nada espera senão uma visão diferente a cada disparo, que nada exige senão uma interpretação - seja ela qual for - de todos os outros e que não se preocupa com as multi opiniões ao seu respeito, só espera que possa ter de novo e de novo a oportunidade de mais uma imagem, mais uma abertura para ampliar sua lentes pelo infinito.
(♫- Liar - Sex Pistols )
Minha mãe sempre deixou explícito a sua aversão à falta de educação. Assim sendo, sempre disse-me para não ouvir conversas dos outros e/ou dar opiniões sem que de fato me conviesse. Bom, eu a desobedeci mas foi de tão ingênua maneira que não pensei sequer em evitar. Foi algo que desvaneceu dos meus sentidos auto-críticos e invadiu o inconsciente.
Estava eu, caminhando sozinha após o retorno do guarnicê de cinema, quando passei em frente a uma casa amarela, onde dois homens já calejados pelo tempo - expressões de elevado índice empírico - conversavam serenamente, quase como se entoassem um canto meio bossa nova, aliada a uma composição sobre o tempo...um deles tranquilamente disse : ''Como passa depressa a vida...'' o outro, ávido, retrucou : ''Passa sim, e ás vezes não deixa coisa alguma!'' Senti que a conversa não acabara ali, mas eu já estava longe e nada mais pude ouvir. Havia eu, escutado algo que não deveria, contudo na mais singela das formas fez-me pensar no tempo e em como ele é efêmero e duradouro em frações equilibradas. Indago-me sobre o que já havera feito até então, os lugares que já fui e os que gostaria de estar, as pessoas que de alguma forma transmitiram informações quaisquer influenciando-me à lugar algum.
Imagino o quão egoísta foram meus pedidos em relação à vida. Sempre quis viver apenas alguns anos pois não havia me dado conta de sua importância inexpressível. Importância. Palavra fundamental em discurssos amadores, peço-lhes até perdão por tal clichê, no entanto é - neste exato momento - o mais adequado. A vida...esta é inalienável, triste é nos darmos conta tão tarde e ver esvair-se o tempo acreditando em pseudo-preceitos sobre ''o que seria realmente viver''. Eu era displincente quanto ao fato de conquistar idade avançada, e morrer com 80 anos para mim era algo inaceitável. Ficava horas imaginando qual vida levaria, pois no clímax do meu egoísmo nunca achei que possuíria utilidade.
Morrer com 27 anos era informalmente planejado visto que meus desejos não exigiam tanto e a minha mudança brusca de humor me matava a cada segundo. Objetivo ridículo eu diria. Hoje, vejo o quanto quero uma vida mais ampla e como eu aprendi a despreocupar-me com diferenças tênues entre os meus sorrisos e choros em suas mais diversas expressões...Na verdade todo tempo faz-se pouco mas ao relembrar da face daquele homem, feliz e tranquilo, rosto de quem muito aproveitara sua vitalidade sem medo de mostrar sotaque sorriso e sombra eu me esqueço que um dia hei de morrer.
O tempo é parte de mim, de você...É tão curto quanto nossas boas ações e tão intrínseco a nossa felicidade que não pode ser negligenciado. Peço desculpas pela minha falta de educação, na certeza de que sejam aceitas pelo tempo. No mais, agradeço pelo tom de bossa nova da minha noite e pelo amago de mim : A vida, o tempo, o tempo pra viver, a vida pra se deixar no tempo.
Aprendizado
Talvez agora eu faça mesmo alguém acreditar em para sempre, e diga que vou continuar aqui no dia seguinte...e até invente um compromisso de última hora para ter que evitar...Talvez eu mande uma SMS bonitinha com frases feitas esperando um brilho imaculado em algum olhar e até prometa da forma mais covarde possível : ''morrerei por você se preciso for.''